Nos últimos tempos, tenho respondido várias vezes (inclusive várias vezes para a mesma pessoa) uma pergunta cuja resposta, em primeira instância, surpreende: "Ser ateu é não ter fé ?"
Não, não é.
Em primeira lugar, há um problema de semântica. Fé, segundo o Dicionário Aurélio, é "crença religiosa; crédito; confiança; firmeza ou pontualidade no exercício de um compromisso" etc. O significado mais óbvio de fé confirma-se como crença religiosa, mas fé é também confiança. Enquanto os fiéis de tantas religiões confiam em Deus, ser ateu é apoiar sua fé no gênero humano. Enquanto as religiões pregam a bondade divina, ser ateu é crer na bondade inerente do ser humano. Enquanto o crente reza pela ajuda divina na solução de seus problemas, o ateu crê na sua capacidade de solucionar qualquer situação na qual ele se encontrar.
Miyamoto Musashi, conhecido como o maior samurai de todos os tempos, escreve no décimo nono mandamento do Dōkkodō (Caminho a ser seguido sozinho) que deve-se "respeitar Buddha e os deuses, mas não contar com sua ajuda". O que Musashi disse é um importante preceito da vida agnóstica: problemas se originam no mundo físico e neste mesmo dever ser solucionados. Confundir os seus problemas pessoais com os do seu (hipotético) criador é uma falácia lógica: se Deus te ama incondicionalmente ele não se involve em criar problemas para você, portanto não deve solucioná-los para você tampouco.
Toda a minha experiência com o décimo-nono mandamento nasceu do meu diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção. Antes do tratamento de TDA/H, eu me considerava um fracasso ambulante, impotente para resolver meus problemas e traído pela minha fé. Havia muitos anos eu não ia à igreja, mas a experiência de fracassar academicamente três vezes seguidas depois de ter tido uma educação secundária exemplar me levou a questionar de uma maneira inédita a existência de Deus.
O período do tratamento psiquiátrico, com Ritalina e antidepressivos, foi muito produtivo, mas a terapia foi o que realmente abriu meus olhos para a verdade: quem tinha que resolver as falhas inerentes da minha personalidade era eu mesmo. Remédios, assim como Deus, são um paliativo interessante, mas ultimamente ineficiente. Atualmente estou sem medicação há mais de um ano, estou vivendo minha vida um dia de cada vez e aprendi que a melhor maneira de solucionar meus problemas é criá-los em menor número possível. Faço apenas aquilo que está dentro dos meus limites, vivo meu próprio rítmo e faço o melhor que eu posso sempre, para mim e para os outros.
E na minha opinião esta é uma lição muito importante que os crentes em geral tem a aprender com a vida agnóstica: acreditar que o mundo pode ser melhor e que o poder para fazê-lo está dentro de você.
Este blog não possui nenhuma afiliação social, empregatícia, financeira ou política a não ser comigo mesmo. As opiniões expressas aqui refletem meu ponto de vista sobre assuntos aleatórios e nada mais. Comentários são mais do que bem vindos, são encorajados, positivos ou não. Até prefiro comentários oposicionistas, afinal um mundo que pensa igual é desprovido de inovação. Portanto, sinta-se em casa. Espero que ler minhas verborréias esporádicas traga-lhe o mesmo prazer que tenho produzindo-as.
[ваκκєr]
P.S. Algumas vezes algo que eu quero expressar não pode ser dito (apenas) com palavras, então vai parar em meu fotolog ao invés de aqui. Confira-o de vez em quando.
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Um comentário:
Todos os problemas inerentes das situações que nos afectam são á priori originadas por nós ou nossos análogos.
A mente é nossa, mas ninguém sabe se o que fitamos é verdade, ninguém sabe se o que adquirimos é realmente puro ou é decomposto como um cometa que entra na atmosfera terrestre e que só uma ínfima parte é que vem até nós.
Se até a neurofilosofia tem dificuldades em associar a mente com o cérebro, porque é que devemos dar tanto crédito ás coisas que nos perturbam?
Usei este exemplo caricato para te dizer que nunca deve se deixar dominar pela porcaria que nos rodeia, porque há tantas incertezas que é simplesmente ridículo uma pessoa ficar desmoralizada por causa de fantochadas!
Agora falando em português de Portugal: Não te imponhas limites porque tal como disseste em cima que o ateu crê que o Homem pode solucionar qualquer situação; isso diz-nos que o poder do Homem é de certa forma ilimitado.
Pensa como um ateu, vive a vida de uma forma responsável, mas não receies concretizar os teus sonhos, não te desacredites.
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